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DESCODIFICANDO A PAIXÃO

 

Fala-se muito de amor, mas a verdade é que não é de amor que se fala. Fala-se sim de paixão. E paixão não é amor. 

Se pode existir paixão no amor? SIm, pode, há momentos de paixão quando se ama. Mas isso é diferente pois o amor é o pano de fundo constante, já existe, simplesmente é. 

 

Amor é realização, é tranquilidade, é excitação em movimento fluido.

Paixão é diferente. A paixão pode existir ou não, e ser a ignição para o amor...ou para a obsessão.

O amor é infinito, a paixão é finita na sua dinâmica de cegueira que faz o coração disparar para mais tarde o sufocar na dor do acordar da ilusão. Porque a paixão precisa dessa cegueira para existir.

 

A paixão nada mais é que uma patologia amorosa, durante a qual projectamos e fantasiamos no outro os nossos desejos, carências e necessidades. Quando alguém se apaixona, a fusão com o outro é essencial para a sua sobrevivência saudável...sem o outro sente-se uma perda de individualidade, que só é resgatada quando na presença do outro. 

 

Sendo a paixão a idealização mítica e mística do outro, onde reflectimos todos os nossos anseios, sonhos e desejos, é natural que tenha um tempo de vida rápido, que normalmente não ultrapassa os 2 a 4 meses. A partir desse momento, ou esmorece e morre, ou dá lugar ao amor (que é de facto outro patamar na escala do sentir), ou transforma-se em obsessão. 

 

Quando o apaixonado começa a perceber que essa idealização não existe na realidade e que o outro não se comporta, não é, nem corresponde às expectativas idealizadas, dá-se a desilusão, e gera-se um sentimento de intensa frustração, que é vivenciada com intensa irritabilidade, dor e/ou tristeza pelo outrora apaixonado. É assim que nos vamos apercebendo do equívoco cometido, pela recorrência das situações de fricção e frustração que nos vão lentamente reintegrando na realidade. O processo começa então a inverter-se, com o regresso a si mesmo e reforço da identidade do ex-apaixonado, que passa então a ver o outro como ele realmente é, o que pode até gerar um sentimento inverso de extrema repulsa, pelos sofrimentos "infligidos", pelo "engano", pela "dor". 

 

Ora é exactamente aqui que começam os problemas...é que esta inversão de processo muitas vezes não acontece em simultâneo com os dois intervenientes no drama. Nem se processa de forma gradual e tranquila. Daqui decorrem várias situações e verdadeiros "filmes"... por exemplo, um dos intervenientes desapaixona-se, mas o outro submerge por completo na fusão e torna-se até obsessivo em relação ao objecto do seu desejo, transferindo para essa relação uma carga emocional que nada mais é que reflexo de uma baixa auto-estima e uma carência extrema cujas origens poderão ser encontradas algures no seu passado.

 

Penso que não será necessário descrever todas as variantes decorrentes do processo de "desapaixonamento" , cada um dos leitores poderá fazer esse exercício mentalmente recorrendo à sua experiência de vida ou situações de terceiros. 

 

É que com todo o nosso desenvolvimento enquanto espécie, quase que nos esquecemos que somos animais, não é? Pois é, mas nós continuamos a ser mamíferos. E enquanto mamíferos somos regulados por uma série de mecanismos químicos automáticos que existem para nos ajudar a subsistir e persistir enquanto espécie. Este é acima de tudo um mecanismo necessário para a perpetuação da espécie. A paixão é o resultado de um mecanismo químico, automático, do nosso organismo, para nos ajudar e motivar a procriar. Simples assim. Essas borboletas, a pressão sanguínea, o batimento cardíaco acelerado, a boca seca...sim. 

 

Vamos então ver o que se passa a nível biológico quando nos apaixonamos... 

Quando nos apaixonamos há uma libertação contínua de neurotransmissores como a dopamina e noradrenalina pelo nosso cérebro. A amígdala cerebelosa (não confundir com as amígdalas da garganta) tem um papel central neste processo, pois é desta região que emanam os nossos sentimentos mais instintivos. Estas hormonas causam uma verdadeira tempestade bioquímica que também está relacionada com a ocorrência - em simultâneo - de um nível mais baixo de serotonina.

 

Este facto é muito IMPORTANTE!

 

Recapitulando, o nosso cérebro liberta dopamina e noradrenalina em quantidades mais elevadas que o normal e reduz a produção de serotonina. Ora , os níveis mais baixos de serotonina encontrados nos "apaixonados" são idênticos aos encontrados nos portadores de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). É aqui que reside a explicação para os pensamentos obsessivos tão característicos em quem se apaixona.. Estes níveis bioquímicos explicam porque a pessoa tende a sentir que perde a razão. 

Este mecanismo é também muito semelhante ao de algumas drogas, como a cocaína e o extasy.

A chave para descodificar a Paixão está no equilíbrio bioquímico do nosso organismo. Já há também vários estudos que comprovam que uma mulher, enquanto em período fértil de ovulação, se torna "inexplicavelmente" mais atraente para o sexo oposto. São as nossas amigas "inas" a trabalharem intensamente para a manutenção da espécie. 

 

Além destes neurotransmissores, há a participação de outras substâncias, como a oxitocina e vasopressina, que estão relacionadas com o amor e as sensações de segurança e calma derivadas deste sentimento.

 

Ora com tudo isto não quero dizer que não nos devemos apaixonar. Vivermos intensamente as experiências que nos surgem nesta aventura que é a vida é algo que considero fundamental para a nossa aprendizagem e processo de amadurecimento e para o nosso equilíbrio emocional. Contudo, ao trazermos consciência e luz sobre estes processos que todos passamos, conquistamos a capacidade de nos posicionarmos também como observadores do processo, permitindo-nos uma maior aprendizagem, maximizando as boas sensações e minimizando o sofrimento. 

 

Depois...bem, depois há o AMOR.

Amar é viver em paz. Sentir intensa e completamente cada momento, cada toque, cada olhar, sem a nada se apegar, mantendo a liberdade de ser, de crescer, de evoluir. Amar é expandir a consciência.

Muito se fala de amor, mas poucos são os que sabem do que falam. 

O amor não fere, o amor não magoa, o amor não dói. O amor cura. E o amor liberta. 

 

E será de amor que também falarei, um dia destes...Para já, fica a proposta de reflexão sobre essa coisa que tanto confundimos com amor, a Paixão.

 

​© Cristina Fernandes

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