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A CULPA

Culpa. O sentimento de culpa é o sofrimento obtido após reavaliação de um comportamento passado tido como reprovável por nós mesmos. A base deste sentimento, do ponto de vista psicanalítico, é a frustração causada pela distância entre o que não fomos e a imagem criada pelo superego daquilo que achamos que deveríamos ter sido.


A culpa de nada serve mas tudo pode destruir, se assim o permitirmos. Esta é talvez a emoção menos humana de todas...é-nos incutida, não nasce connosco. Não conheço nenhuma criança que sinta culpa antes de passar pelo processo de culpabilização ministrado por um adulto. Se fizer algo cujo resultado o magoe emocionalmente, vai ficar triste e vai chorar, vai aprender o que fazer ou não fazer da próxima vez que algo semelhante acontecer...mas não vai sentir culpa. A culpa de Adão e Eva. A culpa do pecado original...enfim, a culpa inventada. Inventada e culturalmente arrastada e disseminada como um vírus que durante séculos foi o cabestro com que nos domesticaram. E a verdade é essa. A culpa foi uma invenção humana, trata-se da não aceitação dos defeitos, erros e falhas que fazem de nós, seres humanos. Defeitos, erros e falhas que são aprendizagens recusadas e adiadas em troca de algo que apenas nos adoece e mata. É fácil reconhecer um culpado, mesmo que ele o seja sem consciência plena...não há brilho no seu olhar.


Por vezes a nossa falha pode parecer-nos avassaladora. Por vezes é mesmo. Casos em que uma vida pereceu, por exemplo. Há que assumir a responsabilidade dos actos e a responsabilidade da intenção - se for caso disso. Mas não temos que sentir culpa. Já basta a dor que tais situações nos trazem. A dor existe para nos fazer crescer também...a culpa? A culpa impede qualquer movimento, impede a aprendizagem proporcionada pelo erro ou falha cometidos, a culpa petrifica e agride, consome-nos sem dar lugar à metamorfose da alma. 


O sentimento de culpa torna a pessoa prisioneira de uma ideia fixa. Deixa de ser quem é para se tornar o crítico dela mesma. A motivação pode ser concreta ou imaginária. Os problemas surgem quando o remorso é guardado. A culpa é a única causa de doenças mentais de origem emocional, é uma dívida impagável. As consequências de guardar o sentimento vão desde tratar mal os outros, viver culpabilizando tudo e todos ao seu redor, reclamar constantemente; depressão, alcoolismo, adição a drogas e isolamento; entre outras.


Por vezes a culpa é a fuga à responsabilidade plena, à consciência e à dor. De facto, o que há a reter é que a culpa não serve de nada. 


o primeiro passo para enfrentar esta questão tão comum é identificar o sentimento de grandeza. Depois, ganhar consciência que a vida não é controlável e que o ser humano pode errar. Culpa é o sentimento originado da ideia de que as coisas têm que acontecer como nós queremos, como nós pensamos que deviam ser, que nós deveríamos ser perfeitos, responsabilidade é assumir que somos responsáveis pelas nossas atitudes. A primeira leva-nos a um beco sem saída. A segunda leva-nos a uma infinidade de possibilidades de crescimento enquanto seres humanos.


Podemos escolher aprender com o erro, para não cometê-lo de novo.


E quando a dor vier, aceite. Aceite a dor. Aceite que não pode ter o controlo de tudo. Aceite que é humano. Aceite que não pode mudar o passado. Aceite que essa dor é crescimento. Aceite fazer um compromisso com essa dor. Aceite utilizar essa dor para se tornar um melhor ser humano, uma melhor versão de si mesmo. Aceite-se. Sem culpa. Com muita consciência. Com responsabilidade. Mas sem culpa. A culpa de nada serve.

 

​© Cristina Fernandes

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